A cabeça bem feita

Resumo de "A cabeça bem feita - Repensar a reforma, Reformar o pensamento", de Edgar Morin (editora Bertrand do Brasil)
Por Cristiane Parente

Logo no início do livro Morin faz uma diferença fundamental entre educação e ensino e ressalta a missão do didatismo como o encorajamento do autodidatismo, em busca da autonomia do espírito.

Morin faz uma análise da imensa quantidade de saberes que circulam no mundo e do quanto eles nos são apresentados de forma fragmentada. Segundo o autor, “a hiperespecialização impede de ver o global (que ela fragmenta em parcelas), bem como o essencial (que ela dilui).” (Pag. 13)

Isso reflete em vários aspectos de nossa vida. Desde a resolução de problemas, que tendem a ser solucionados muitas vezes sem que levemos em conta o contexto, a um sistema de ensino baseado em disciplinas, que impede uma visão global. Para Morin, o desafio da globalidade é justamente o de compreender o que é tecido junto, perceber a complexidade e ver que “é impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, assim como conhecer o todo sem conhecer, particularmente as partes”, como diria Pascal.

Caberia a educação resgatar a complexidade, estimular a formação de jovens que pudessem contextualizar os saberes, porque de nada adianta ter uma cabeça cheia de informações se não sabemos situá-las em seus contextos, transformá-las em conhecimento. Morin, inclusive, cita T.S Eliot quando este questiona: “onde está o conhecimento que perdemos na informação?” (Pág.16)

Lançando mão de Montaigne, o autor destaca ainda que mais vale uma cabeça bem-feita do que uma bem cheia. Ou seja, ao invés de acumular saberes, a cabeça bem-feita organiza-os, dá sentido a eles, contextualiza-os. E não os fragmenta.Morin cita ainda desafios que a complexidade nos coloca, como o cultural (a junção da cultura das humanidades e a cultura científica, cindidas no séc. XIX), o sociológico (informação deve ser dominada e integrada pelo conhecimento, que deve ser constantemente revisitado e revisado pelo pensamento, o bem mais precioso para o indivíduo e a sociedade) e o cívico (o enfraquecimento do pensamento global leva a um enfraquecimento da noção de responsabilidade social).

O maior desafio, porém, seria uma reforma do ensino que levaria a uma reforma do pensamento, assim como a reforma do pensamento que levaria a uma reforma do ensino, resgatando o lugar da complexidade na educação. Uma educação que não desunisse os objetos de saber e procurasse sempre suas inter-relações. Que ensinasse que para pensar localizadamente, é preciso pensar globalmente, assim como para pensar globalmente é preciso pensar localizadamente.

O conhecimento do humano também é para Morin um desafio de entendê-lo enquanto biológico e cultural, como parte de um todo. É não separá-lo do Universo, mas situá-lo nele. Compreender que a espécie humana faz parte de um ecossistema onde tudo está interligado. Ou seja, uma compreensão da complexidade, daquilo que é tecido junto.

Para Morin, “a despeito da ausência de uma ciência do homem que coordene e ligue as ciências do homem, o ensino pode tentar, eficientemente, promover a convergência das ciências naturais, das ciências humanas, da cultura das humanidades e da Filosofia para a condição humana”. (Pág. 46)

Através da educação é possível mostrar que ensinar a viver não se resume a conhecer, mas transformar, transformar-se a partir do conhecimento. Conhecimento este que vem, segundo Morin, das escolas da língua, da poesia, da descoberta de si, da complexidade humana, da compreensão humana. Conhecimento que se origina de informações re-interpretadas por cada sujeito. Que se consolida a partir da lucidez, da reflexão, da auto-avaliação contínua.

Conhecimento que sabe-se datado, que deve ser revisitado pelo pensamento, porque para o autor, a única certeza que podemos ter é a da indestrutibilidade das incertezas. “Conhecer e pensar não é chegar a uma verdade absolutamente certa, mas dialogar com a incerteza”. (Pág. 59)

Dentro da perspectiva da complexidade, a educação deve ensinar o indivíduo a ser cidadão, solidário, responsável pelo mundo em que vive, compreendendo a ligação complexa que existe entre cada sujeito-ação e objeto do ecossistema em que habita.Morin defende que a escola em seus três graus de ensino possa formar esse cidadão solidário, responsável, crítico, autônomo e consciente, que compreende a cultura em que vive, que aprende a auto-analisar-se, que percebe, inclusive, como atuam as mídias na representação-construção de uma dada realidade ou fenômeno.

“É preciso substituir um pensamento que isola, por um pensamento que distingue e une. É preciso substituir um pensamento disjuntivo e redutor por um pensamento do complexo, no sentido original do termo complexus: o que é tecido junto”, afirma Morin. (Pág.89)

Para o autor, a reforma do pensamento vai gerar um pensamento do contexto e do complexo (Pág. 92), que ligará a explicação à compreensão. E serão alguns educadores que começarão essa reforma; aqueles que não se afastaram de sua missão e, segundo Morin, das cinco finalidades educativas:

  • a cabeça bem-feita, que nos dá aptidão para organizar o conhecimento;

  • o ensino da condição humana;

  • a aprendizagem do viver;

  • a aprendizagem da incerteza;

  • a educação cidadã.

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