‘A internet é a nova rua da periferia’

Uma estudante universitária frequenta 
lan house para fazer os trabalhos da 
faculdade. Enquanto um adolescente, 
em sua casa, garante que, se não fosse
a conexão de banda larga, certamente
ele estaria ocupando o tempo livre na
rua. Já para uma manicure, a internet 
tem feito sua vida girar mais dentro da
rede virtual do que fora dela.
Esses são alguns dos depoimentos do 
A Vida do Lado de Cá, documentário 
que fala sobre a percepção das 
comunidades sobre as marcas e também
a atuação das empresas nesses locais. 
O estudo documental, realizado com 18
pessoas consideradas formadores de 
opinião da periferia, mostra o papel da
internet na comunidade, como jovens 
estão se tornando empreendedores e a
percepção de seus hábitos e consumo 
na chamada nova classe média
Em entrevista ao Porvir, Tatiana Ivanovici,
33, que é jornalista, idealizadora do 
documentário e diretora da rede Do Lado de Cá – 
que presta consultoria para ações de marketing
nas periferias –, fala sobre os processos de
aprendizagem dos jovens na periferia e como
eles têm utilizado a internet como ferramenta
de emponderamento. Segundo ela, a inovação
está em derrubar as muralhas. “O educador não 
pode se posicionar num patamar acima. É preciso 
sempre ter a ideia da cocriação.”
crédito rufous / Fotolia.com

Quais são as inovações no processo de 
aprendizagem na periferia e como os jovens
 estão usando a internet para se comunicar? 
Sem dúvidas, o grande veículo para comunicação
periférica tem sido o meio digital, tanto para
divulgação de seus produtos e iniciativas, quanto
para o comércio e para aprendizagem. A principal 
inovação tem sido as pessoas utilizarem a internet 
tanto para se comunicar quanto para empreender 
e aprender. A galera lança todos os seus livros de 
literatura periférica na internet. Enquanto outros 
jovens divulgam os eventos que estão organizando. 
As lan houses, por exemplo, precisam ser vistas 
como centros digitais e também de convivência, 
não de mero acesso à internet. Há muitos jovens 
que estão fazendo faculdade e usando esses espaços 
para fazer os trabalhos, por exemplo. Concordo 
com o Sérgio Vaz [poeta da periferia e criador 
da Cooperifa] quando ele diz no documentário 
que ‘a internet é nova rua da periferia’. Ele fala 
que nunca se leu e escreveu tanto quanto hoje. 
O exemplo que ele dá é que o jovem ao falar 
sobre seu dia a dia no Facebook ou no Orkut, 
está escrevendo uma carta, se comunicando com 
outras pessoas. E se está certo ou errado 
gramaticalmente, isso já é outra questão.
A  Do Lado de Cá presta consultoria para 
empresas para ações de marketing nas 
periferias e emprega profissionais locais. 
Como é essa relação entre eles? 
A rede utiliza uma metodologia que busca capacitar
pessoas da periferia para trabalhar com a gente. 
Nosso núcleo tem profissionais da área de 
comunicação que atuam junto com a galera 
da periferia, justamente para a ‘derrubada 
de muralha’. O que procuramos é sempre levar 
os jovens das comunidades para dentro da 
equipe. É o aprender fazendo. Aprender na 
prática. Dentro da nossa equipe de produção, por 
exemplo, tem um menino da periferia que está 
aprendendo na prática como trabalhar com o 
audiovisual criando conteúdos para a emissora 
BusTV, que atua dentro dos ônibus em várias 
cidades do Brasil. Um case do núcleo é o site 
Do lado de cá, que criamos há dois anos, 
e é considerado o ‘Uol da periferia’ e que 
aborda assuntos sobre o cotidiano e o universo 
do entretenimento popular. Além disso, algo 
muito bacana que tem acontecido é que muitos 
professores me contatam para dizer que estão 
o usando o site em sala de aulas, para trabalhar 
literatura ou música com os alunos.

Como você avalia os espaços educativos
criados na periferia? 
Muitos espaços e cursos criados na periferia
não passam pela aprovação dos jovens. Simplesmente 
são criados métodos de ensino, de forma unilateral, 
e que são implementados sem ouvir o que eles tem 
a dizer. Assim, a escola não dá certo. Quando alguém 
vai fazer uma ação na comunidade é preciso entender 
seus códigos e valores. Se isso não acontece, é como 
olhar para um terceiro e dizer o que serve para ele. 
Não é apenas ir à periferia e implementar algo que não 
se vivenciou, com outros valores e tradições. Acredito 
que a inovação é a derrubada de muralhas. O educador 
não pode se posicionar num patamar acima. É preciso 
sempre ter a ideia da cocriação. Não tem sentido 
ser algo unilateral, que impõe métodos.
Você acha que as escolas na periferia estão 
preparadas para auxiliar os jovens quanto ao 
uso da internet? 
Em muitas escolas da periferia sequer há professores,
como é o caso, por exemplo, do Capão Redondo. 
Em casa, muitas vezes os pais não têm suporte para 
auxiliar os filhos quanto ao uso da internet. 
Infelizmente, muitos jovens ainda usam a internet de 
forma reduzida. É preciso educá-los. A vantagem é que 
os jovens da periferia são intuitivos. É uma galera 
que está muito acelerada. Eles só precisam de 
oportunidade.
Como os jovens estão se apropriando
da cultura geral? 
Na maioria das vezes, esses jovens não se sentem
bem no MAM [Museu de Arte Moderna de São Paulo], 
no MIS [Museu da Imagem e do Som de São Paulo], 
em qualquer museu. Muitos, até mesmo, nem são bem
recebidos nesses lugares. Há muitos jovens criando 
blogs ou páginas no Facebook para compartilhar a 
cultura local, seja através de músicas, textos. 
Por isso, a gente tem que valorizar e incentivar o que
é feito dentro da comunidade. A questão não é achar 
que quando falta cultura na periferia a solução é, por 
exemplo, montar uma tenda com ar condicionado ou 
estender um tapete vermelho no meio da favela. 
É preciso escutar que tipo de cultura eles realmente 
querem, porque, muitas vezes, tudo é feito de fora 
para dentro, quando, na verdade, precisa ser o inverso.
Vocês estão criando um game de 
educação financeira. Como vai ser? 
Sim. Estamos criando jogo dirigido aos pré-adolescentes
e jovens. Ainda em fase de prospecção. No jogo, eles 
vão criar um empreendimento em que seu desempenho 
como jogador vai estar relacionado ao seu papel como 
empreendedor. O bacana é que os jovens nem vão 
saber que se trata de um jogo de educação financeira, 
eles vão aprender como gerir seu dinheiro, sem pensar 
Ah, vou ter aulas de educação financeira!’. A ideia é 
utilizar recursos e discursos atrativos que pertencem 
ao universo deles, como produzir um evento, ou um 
clip. A pretensão é levar essa ferramenta para outros 
parceiros, como a Casa do Zezinho, a Periferia Ativa, 
e também disponibilizá-la para as escolas para que 
seja um complemento no ensino. Além disso, a ideia 
é também, como já fazemos em outros projetos, 
ter os jovens da periferia trabalhando com a gente 
na elaboração do jogo, para capacitar e agregar valor 
à trajetória deles.

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