Entrevista com Eliana Yunes – Conversando sobre leitura...

Entrevista concedida pela professora Eliana Yunes à revista do SESC-Rio por ocasião do Simpósio de Contadores de histórias (2208). Eliana Yunes é professora da PUC-Rio, pesquisadora na área de leitura e uma das coordenadoras da Cátedra de Leitura da UNESCO.

SESC-Rio: A que você atribui que, em pleno século XX, o conceito de leitura, na maioria dos casos, fique restrito, exclusivamente aos livros e à escrita?
ELIANA: A tradição da escrita é fundadora da cultura ocidental a partir do médio oriente onde emergiram os “povos do livro”, para os quais a palavra sagrada, graficamente registrada, tornou-se ícone de poder também temporal. Com isto a escrita passou a signo controlado pela capacidade de decifração, dependente de intérpretes autorizados, o que tornou a leitura uma to cercado de regras e cuidados próprios com a “verdade” dos sentidos. A capacidade de leitura existente anterior à escrita, leitura de mundo, “dos sinais dos tempos”, dos acontecimentos, traduzidas em formas orais, ainda que consolidadas pelos costumes, perderam a sua força. A imagem teve sua expressão narrativa reduzida a uma cena – ver nos museus o apogeu da pintura nos séculos pós-renascentistas é somente com a emergência de novos suportes, a criação de novas linguagens –cinema, TV, outras mídias no século passado, -atentou-se para a necessidade de formar leitores para estes modos de narratividade que já estivera presente na oralidade dos povos ágrafos.
Depois o mundo contemporâneo não deu conta de alfabetizar para a construção dos sentidos e com isto tornou o peso da leitura mais atrelado ainda ao livro, tido como suporte de transmissão do conhecimento efetivamente válido e universal.

SESC-Rio: Você considera a televisão “inimiga” da leitura, como muitos afirmam? Com o avanço das novas mídias, principalmente no mundo virtual, a tendência é a de que o livro, fisicamente falando, desapareça?
ELIANA: São duas perguntas, mas elas de fato, têm conexão: a TV com certeza redistribuiu o tempo de “lazer” e ampliou o circuito de informação. Mas há um tempo para cada coisa debaixo dos céus ,diz Eclesiastes. Trata-se de como a vida doméstica valoriza e usa os meios de formação e informação. O cinema não morreu com a TV, nem vai morrer com o DVD. A fotografia não matou a pintura, nem a gravura. A leitura interage com todos estes suportes e linguagens e o livro não vai desaparecer, nem frente ao e-book; os pergaminhos e rolos (hoje desenrolamos textos na internet) passaram a cadernos e brochuras sem que bibliotecas desaparecessem. Não é para temer novas modalidades de comunicação. O que interessa é a narrativa, a literatura, o texto, esteja onde estiver, pois é o pensamento e o sentido, a linguagem, que nos faz humanos.

SESC-Rio: Como poderíamos desmistificar a questão da literatura, da “alta literatura”, nas ações de incentivo à leitura de modo que, outros textos, outras linguagens, possam também ser consideradas, utilizadas e incentivadas?
ELIANA: O que precisa ser desmistificado a meu ver não é a literatura popular ou erudita, oral ou clássica – e o preconceito vai de um a outro lado. O que urge transformar é o modo de apresentação e de convívio com a linguagem literária: ela é um dos suportes mais fortes da experiência humana acumulada nas práticas culturais de diferentes tradições e tem sido mantida prisioneira de um saber muito específico, acadêmico, que tem seu valor, obviamente, mas não pode/deve impedir que a literatura seja consumida com interesse e disponibilizada para interação múltiplas. Como o cinema e as mídias (digitais ou não) foram ofertadas à recepção sem teorias prévias, o acesso aos públicos perdeu as barreiras de controle. Contudo estas linguagens se sofisticaram e tem uma leitura cada vez mais exigente de reflexão, debate, associações.Assim, qualquer programa de incentivo à leitura, como prática cultural, demanda de qualquer suporte e de qualquer linguagem uma forte disseminação em exercícios de compartilhamento, com mediadores despojados que saibam provocar o fascínio da interação proposta pelas formas culturais e artísticas. A questão é passar da leitura solitária para a leitura solidária do livro à tela.

SESC-Rio: Como acadêmica e pesquisadora da literatura e das linguagens, que críticas você faz às pesquisas de leitura?
ELIANA: As pesquisas de leitura, dentro e fora da academia, dependem de ampla divulgação e debate. O problema está nas interpretações dos dados, nas leituras que se fazem, cruzando ou não as informações que podem revelar distorções nos resultados apresentados. O brasileiro certamente lê ainda que pouco, mas o quê? Não se trata de discutir Paulo Coelho mas tudo o mais: as revistas, programações de TV, seus horários de disponibilização de cultura e informação, o preço do cinema, do livro, do teatro, a oferta de eventos e o acesso às bibliotecas, midiatecas, espaços culturais. Hoje o tecido cultural é muito rico e complexo; ninguém é culto ou cultivado porque sabe ‘só” literatura. O livro na escola é muito mal tratado. Na vida familiar, objeto de luxo ou supérfluo. Os resultados de pesquisa meramente quantitativos escondem realidades que demandariam mudanças profundas na disseminação das práticas de leitura.

Fonte: Livro, leitura, literatura... Eliana
Entrevista realizada com Eliana Yunes. Revista do SESC-Rio, ano 1, n° 5, novembro de 2008.

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