O bê-a-bá dos códigos

Escola em Londres coloca em prática o que teóricos dizem ser o futuro da educação: o ensino de programação e linguagem computacional para crianças

Foto: Gabby Ritchie/Arquivo Pessoal

LONDRES - No final de 2012, em uma atividade anual que reúne pais, filhos e professores na escola primária St. Saviours, no centro de Londres, o tradicional cantinho de contação de histórias – no qual os alunos ouviam contos de monstros, fadas e bruxas – se voltou para algo completamente diferente: a programação e aprendizado de código computacional. “Queríamos dar às crianças as ferramentas para que elas pudessem contar as próprias histórias”, explica Lindsey Woodford, diretora do colégio.
A ideia saiu da cabeça de Nick Corston, empresário e pai de dois alunos, preocupado porque seus filhos poderiam se tornar meros usuários de tecnologia em vez de pensadores críticos da era digital em que nasceram e viverão. “A intenção é mostrar para as crianças que elas podem se tornar produtoras de conteúdo em vez de desperdiçarem todo o tempo delas com joguinhos ao estilo Angry Birds. Se elas forem direcionadas da maneira correta e mostrarem esforço, podem criar os próprios jogos e, com isso, se tornarem pessoas mais criativas e preparadas para o futuro”, afirma Corston.
Durante o dia livre, as crianças puderam se familiarizar com o Raspberry Pi, um computador do tamanho de um cartão de crédito que custa US$ 25 e que propositalmente deixa suas “entranhas” de circuitos à mostra, permitindo entender melhor como funciona a parte interna de um computador. Pelo preço acessível e alta possibilidade de customização, o computador criado por uma fundação inglesa tem sido usado no mundo todo para dar vida a uma infinidade de projetos – de máquinas de pinball a helicópteros.
Alfabetização. Os pupilos também aprenderam alguns conceitos de programação através do Scratch, um software desenvolvido pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) para tornar o aprendizado de código e robótica compreensível para crianças. Através do programa e do Raspberry Pi, crianças a partir de cinco anos conseguiram controlar um crocodilo-robô produzido pela Lego, o WeDo. Interpretando o código escrito pelos participantes, o crocodilo mordia o dedo de qualquer um que o colocasse em sua boca. “Foi fantástico, a grande maioria adorou e, para nossa surpresa, notamos uma grande parcela de meninas interessadas”, diz Corston.
O sucesso foi tão grande que a escola se conectou a uma organização nacional para a difusão de código, o Code Club, e agora oferece o curso como parte do currículo básico. “No começo eu me assustei um pouco, mas vi que pode ser fácil. Às vezes, é difícil ter de digitar a mesma linha diversas vezes até que o computador aceite, mas é legal dizer o que o robô vai fazer e criar coisas no computador”, diz Saskia Lee, estudante do St. Saviours de nove anos.
Iniciado por designers e programadores voluntários como um projeto-piloto em cinco escolas londrinas, o Code Club ganhou o apoio da ARM (gigante do setor de semicondutores) e expandirá consideravelmente seu alcance em 2013 para, em dois anos, alcancar 5 mil colégios (25% de toda a rede inglesa).
Assim como a ARM, outras empresas importantes do setor estão voltando seus olhos para o ensino de código e robótica para crianças em idade escolar – também um investimento para criar trabalhadores mais capacitados no futuro. A fabricante Dell patrocina o Apps for Good, que ajuda estudantes a criar aplicativos para smartphones para solicionar problemas cotidianos. E a Mozilla, que produz o navegador Firefox, gastou cerca de US$ 10 milhões para desenvolver um pacote de programas que ajuda a remixar a web, o Webmaker, e produz uma série de seminários e hackathons voltados para o público infantil.
De acordo com o presidente da fundação Mozilla, Mark Surman, trata-se de uma atuação estratégica, pois as crianças decidem entre os oito e dez anos de idade se querem se tornar criadores de conteúdo ou apenas consumidores.
Recentemente, o Google também decidiu apostar na tendência. O presidente-executivo Eric Schmidt esteve na Inglaterra para anunciar um esforço conjunto com a Raspberry Pi para incentivar o ensino de tecnologia em colégios e se livrar do velho currículo escolar que apenas as instrui sobre softwares como Microsoft Word ou PowerPoint. Para alavancar a parceria, o Google doou 15 mil Raspberry Pis para a rede escolar britânica e planeja outras iniciativas similares.
A alfabetização digital de crianças ganha força no mundo todo. No mês passado, Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, gravou um vídeo apoiando a associação Code.org – que também tem o respaldo de Bill Gates, fundador da Microsoft, e Jack Dorsey, criador do Twitter. Sites como Codecademy e Udacity, que oferecem cursos gratuitos de programação voltados para leigos, têm ganhado destaque nos últimos anos.
A ideia por trás disso é que, em um mundo governado pela internet, interpretar, alterar e criar códigos é quase tão vital quanto ler e escrever. Porém, o pretexto é essencialmente econômico: na Inglaterra, dados governamentais mostram que a procura por cursos superiores de ciências da computação diminui a cada ano, enquanto a demanda por trabalhadores capacitados na indústria de tecnologia crescerá anualmente 1,6% até 2020, exigindo a entrada no mercado de 130 mil pessoas ao ano.
Uma ideia, um comando e uma mordida
Na escola londrina, 240 crianças já começaram a programar. Mas o pai responsável pela iniciativa, Nick Corston, sabia muito pouco de linhas de código. Ele foi inspirado por uma palestra no TED dada em 2006 por Sir Ken Robinson, que dizia que o atual sistema educacional inglês poderia matar a criatividade das crianças. O programa de ensino de códigos é detalhado: primeiro as crianças aprendem o que é o Raspberry Pi, o computador de US$ 25, e descobrem para que serve cada uma de suas portas.
Depois, elas são introduzidas à linguagem de programação Scratch, para programar comandos básicos. As crianças aprendem primeiro a jogar um game de gatos escrito em Scratch; depois, descobrem como cada comando escrito interfere nas ações do gato. Por fim, começam a alterar o funcionamento do jogo. O crocodilo vem no final: as crianças aprendem que podem escrever comandos que são lidos pelo Raspberry Pi e, ali, são transformados em ações físicas no réptil feito de Lego. Os códigos viram mordidas: o robô abocanha o dedo de quem o coloca em sua boca.

Fonte: Link - Estadão http://blogs.estadao.com.br/link/o-be-a-ba-dos-codigos/ Rafael Cabral 31/03/2013

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